segunda-feira, 8 de agosto de 2011

RÉQUIEM A UMA LAGARTIXA



RÉQUIEM A UMA LAGARTIXA

             Na solidão da minha sala, eu e meu gato rajado curtíamos a tranqüilidade das madrugadas vendo um filme ou outro na TV, enquanto aguardávamos que os sons vindos da rua fossem se amainando e, o sono chegasse.
            O ambiente á meia luz, pois quando fechava a porta da sacada, apagava a luz da sala, deixando apenas as tênues dos dois halls, o da entrada e o que leva ao corpo do apartamento e ali, se fazia a paz e o aconchego se instalava.
            Momentos sagrados, os mais esperados do dia e, a cumplicidade com o gato de nome” Sapeco”, velho companheiro que alegrou os meus dias e compartilhou aqueles instantes de recolhimento, por 16 anos, se fazia presente e, diluía qualquer possível peso da solidão não reconhecida e tampouco sentida.
          Quando a penumbra se instalava acompanhado do relativo silêncio, é que minha amiguinha surgia, de início cautelosa como quem espia ou espreita o ambiente, fazendo o necessário reconhecimento, para depois se aventurar em rápida corrida, atravessando os espaços entre um quadro ou outro dos que se estendiam ao longo das paredes da sala através dos quais ela residia, se escondia e tirava sua soneca ao longo dos dias.
         Como era bela e branca a ágil companheira, esguia e elegante em sua postura e corridas e, toda noite eu a aguardava e ela não se fazia esperar uma vez instalada a penumbra e abaixado o som da televisão.
         Eu a saudava e agradecia sua vinda, chamando de” Tixa” á amiguinha noturna.
         Com ela, por vezes, batia um papinho amigo sobre a temperatura ou algum ruído inesperado
          Não sei quanto tempo esse companheirismo durou, mas já fazia parte da minha rotina vê-la percorrendo espaços e distâncias, sempre ás paredes grudada, quando não se arriscava pelo chão em corridas mais longas e rápidas, o que me deixava preocupada, pois gato” Sapeco” era por natureza caçador.
          Acompanhei seu crescimento e vi como se transformou numa bela e bem alimentada adulta, até que um dia ao me levantar e antes de colocar os óculos, vi indefinidamente algo no chão e, abaixando-me para erguer, peguei alguma coisa macia e inerte, o corpo da velha amiguinha.
             Não sei se foi Sapeco quem a caçou na calada da noite ou, se fui eu que a pisei em ocasional andanças ás escuras, o certo é que “Tixa” já não viria mais trazer sua presença solidária ás minhas madrugadas.
             Coloquei seu corpo em um vaso de flores do terraço.
              Foi a última homenagem á amiga que alegrara minhas noites prazeirosas
.            Que descanse em paz, Tixa amiga.

2 comentários:

Flávio Tallarico disse...

Realmente, cara amiga, muitas vezes nos apegamos a pequenas coisas de nosso cotidiano - seja uma lagartixa, uma pequena aranha que se esconde na fresta do batente da porta, um pássaro que logo pela manhã vem nos trazer seu belo canto. No dia-a-dia, sem que nós nos apercebamos, eles passam a fazer parte de nossa rotina. E como você tão bem descreveu sobre a sua companheira Tixa, a perda é consternadora. Mas isso só acontece para os que tê a alma pura e uma sensibilidade especial para valorizar a vida em todas as suas formas. Você desfruta deste privilégio. Continue a nos brindar com suas belas crônicas. Um abração.

Carlos Gama disse...

Ah, Mariza, como são bem-vindas essas companhias, especialmente em determinados trechos de nossa caminhada. Lastima-se tanto quando nos deixam, mas é parte da estrada.