segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

CAMPO SANTO

                                                                                                            

           
                      CAMPO SANTO
                                                                                                      

                     Campo Santo deveria ser o local de repouso daqueles que tomaram o barco da grande travessia, levados todos em sua hora certa, em momentos e circunstâncias incertas, sempre pelo mesmo barqueiro.
                    Barqueiro fiel cumpridor do seu destino, a condução de almas purificadas pelas águas do rio da vida, na travessia de uma margem a outra, de um estágio ou dimensão, para aquela em que promessas e incógnitas esperam pelos passageiros.
                 Viajores que se aventuram e se entregam à grande viagem, uns longamente programados, outros meio de surpresa e incrédulos, tateando no reconhecimento do inesperado, do não desejado.
                
                Enfim a viagem e o destino ficam para outra oportunidade em circunstância e tempo mais apropriados.
                      O móvel destas considerações é o destino de repouso das vestes não levadas, pelo desgaste delas, por inapropriadas como bagagem sem serventia, como peso morto, ao “clima” ou destino, após travessia do referido rio.
                  Questões de moda e de serventia, diriam muitos, de terem cumprido seu destino e funções, diriam outros, o caso é que as velhas vestes tão surradas quanto usadas, abusadas e, muitas vezes maltratadas, se quedam frias e largadas às intempéries, como coisas ultrapassadas.
                   Seus tecidos e moldes ou modelos, guardam no entanto, todo o histórico da vida vivida, de suas andanças e serventias, assim como das aventuras e travessuras a que foram levadas e de que participaram.
                  Não quero filosofar sobre a vida que tiveram e nem sobre a que poderiam ou deveriam ter tido, pois isso seria para uma outra história.
           Minha meta é o ponto de repouso dessas vestes abandonadas, desses corpos que aqui ficaram  resignados uns, revoltados outros, enfim todos chorosos e entregues à realidade de ser pó e, ao pó retornar.
                    Merecem todos, eu acredito e assim, gostaria que de fato fosse, que respeitosa e carinhosamente cobertos fossem em campo santo, realmente santo, entregues ao  repouso sagrado, no seio acolhedor da Mãe Terra, em pequenos grupos de lápides familiares, em meio à relva e sob frondosa arvore.
                  Outro local santo, seriam os pequenos e despretensiosos túmulos, velhos túmulos nas terras de velhas e rústicas igrejas ou capelas, abrigando indistintamente membros da sociedade circunvizinha, ou mesmo a um viajante sem destino, que de passagem, se deixou ficar.
             A verdade amigos meus, é que abomino cemitérios, verdadeiras cidades de mortos que, se aqui deixaram suas velhas vestes, carregam como incomoda e inapropriada bagagem, alem dos choros e lamentos de carpideiras, o orgulho, a vaidade, a soberba daqueles que aqui deixaram.
                Parentes, amantes ou amigos que usam a memória de quem partiu, construindo nababescas sepulturas, faraônicas tumbas, túmulos e lápides de nobres materiais, ornando-os com obras de arte de grande requinte e enorme custo!
                   Não é essa soberba que ajudará a travessia daquele que parte, este necessita de paz, de leveza para ascender a outra dimensão e seu corpo velho, suas gastas vestes que aqui ficaram, necessitam de descanso, também de paz e de se irmanar à natureza para a qual é devolvido.
                  Cada povo tem sua história, seus credos, sua cultura.
           Já disse que de minha parte, reverencio mais aquelas pequenas lápides no chão ou na relva ou aqueles gramados em que pululam pequenas cruzes brancas, se bem que entre todos os rituais de que tenho conhecimento, o que mais me encanta é o dos celtas que colocavam o corpo em pequeno barco e o soltavam ao mar e, da praia, estando já distante o barco, o atingiam com setas acesas em tochas  que encontrando o alvo, o faziam arder em chamas e, dessa forma guerreira e poética se cumpria a profecia da grande travessia.
                Não sendo celta e vivendo distante no tempo e no espaço, desse lindo ritual, quero deixar claro que prefiro ser cremada e minhas cinzas, por favor, com carinho e respeito, tendo nos lábios ou no coração uma oração, ou mesmo uma canção, abram o frasco, descerrem a urna e, do alto de uma montanha, espalhem as cinzas ao vento.
                  Sim, espalhem minhas cinzas ao vento vez que quero me irmanar e me reintegrar à Onipresença Divina, como grãozinho de poeira, na copa de uma arvore, como adubo  em horta ou pomar, ou quem sabe um pequenino cisco nos olhos de desavisado transeunte ou ainda, me mesclando ao pólen de bela e perfumada flor!
                 Quem sabe ainda, por ter sido sempre tão comportada e restrita, contida, finalmente vir a me espalhar ao vento e comungar com a vida!

              
                                             Mariza C. de C. Cezar
                                                                                                            

                                                                 
                                                     
                                                           
                                                       

              

2 comentários:

Sonia Miranda disse...

Mariza, o artigo ótimo,mas tétrico para mim.Não gosto deste tipo de assunto,me assusta.
Beijos
Sonia

Suely Ribella disse...

Um texto muito bom... reflexivo... Parabéns por abordar tema tão instigante quanto é a Morte. Bem sabe,o quanto falo dela nos meus versos...
Bjs!