CAMPO SANTO
Campo Santo deveria ser o
local de repouso daqueles que tomaram o barco da grande travessia, levados
todos em sua hora certa, em momentos e circunstâncias incertas, sempre pelo
mesmo barqueiro.
Barqueiro fiel cumpridor do
seu destino, a condução de almas purificadas pelas águas do rio da vida, na
travessia de uma margem a outra, de um estágio ou dimensão, para aquela em que
promessas e incógnitas esperam pelos passageiros.
Viajores que se aventuram e
se entregam à grande viagem, uns longamente programados, outros meio de
surpresa e incrédulos, tateando no reconhecimento do inesperado, do não
desejado.
Enfim a viagem e o destino ficam para outra oportunidade em circunstância e tempo mais apropriados.
O móvel destas
considerações é o destino de repouso das vestes não levadas, pelo desgaste
delas, por inapropriadas como bagagem sem serventia, como peso morto, ao “clima”
ou destino, após travessia do referido rio.
Questões de moda e de
serventia, diriam muitos, de terem cumprido seu destino e funções, diriam
outros, o caso é que as velhas vestes tão surradas quanto usadas, abusadas e,
muitas vezes maltratadas, se quedam frias e largadas às intempéries, como
coisas ultrapassadas.
Seus tecidos e moldes ou
modelos, guardam no entanto, todo o histórico da vida vivida, de suas andanças
e serventias, assim como das aventuras e travessuras a que foram levadas e de
que participaram.
Não quero filosofar sobre a
vida que tiveram e nem sobre a que poderiam ou deveriam ter tido, pois isso
seria para uma outra história.
Minha meta é o ponto de
repouso dessas vestes abandonadas, desses corpos que aqui ficaram resignados uns, revoltados outros, enfim
todos chorosos e entregues à realidade de ser pó e, ao pó retornar.
Merecem todos, eu acredito
e assim, gostaria que de fato fosse, que respeitosa e carinhosamente cobertos
fossem em campo santo, realmente santo, entregues ao repouso sagrado, no seio acolhedor da Mãe
Terra, em pequenos grupos de lápides familiares, em meio à relva e sob frondosa
arvore.
Outro local santo,
seriam os pequenos e despretensiosos túmulos, velhos túmulos nas terras de
velhas e rústicas igrejas ou capelas, abrigando indistintamente membros da
sociedade circunvizinha, ou mesmo a um viajante sem destino, que de passagem,
se deixou ficar.
A verdade amigos meus, é que abomino
cemitérios, verdadeiras cidades de mortos que, se aqui deixaram suas velhas
vestes, carregam como incomoda e inapropriada bagagem, alem dos choros e lamentos
de carpideiras, o orgulho, a vaidade, a soberba daqueles que aqui deixaram.
Parentes, amantes ou amigos
que usam a memória de quem partiu, construindo nababescas sepulturas,
faraônicas tumbas, túmulos e lápides de nobres materiais, ornando-os com obras
de arte de grande requinte e enorme custo!
Não é essa soberba que ajudará
a travessia daquele que parte, este necessita de paz, de leveza para ascender a
outra dimensão e seu corpo velho, suas gastas vestes que aqui ficaram,
necessitam de descanso, também de paz e de se irmanar à natureza para a qual é
devolvido.
Cada povo tem sua história, seus
credos, sua cultura.
Já disse que de minha parte,
reverencio mais aquelas pequenas lápides no chão ou na relva ou aqueles
gramados em que pululam pequenas cruzes brancas, se bem que entre todos os
rituais de que tenho conhecimento, o que mais me encanta é o dos celtas que
colocavam o corpo em pequeno barco e o soltavam ao mar e, da praia, estando já
distante o barco, o atingiam com setas acesas em tochas que encontrando o alvo, o faziam arder em
chamas e, dessa forma guerreira e poética se cumpria a profecia da grande
travessia.
Não sendo celta e vivendo distante no tempo e
no espaço, desse lindo ritual, quero deixar claro que prefiro ser cremada e
minhas cinzas, por favor, com carinho e respeito, tendo nos lábios ou no
coração uma oração, ou mesmo uma canção, abram o frasco, descerrem a urna e, do
alto de uma montanha, espalhem as cinzas ao vento.
Sim, espalhem minhas cinzas
ao vento vez que quero me irmanar e me reintegrar à Onipresença Divina, como
grãozinho de poeira, na copa de uma arvore, como adubo em horta ou pomar, ou quem sabe um pequenino
cisco nos olhos de desavisado transeunte ou ainda, me mesclando ao pólen de bela
e perfumada flor!
Quem sabe ainda, por ter sido
sempre tão comportada e restrita, contida, finalmente vir a me espalhar ao
vento e comungar com a vida!
Mariza C. de C. Cezar
2 comentários:
Mariza, o artigo ótimo,mas tétrico para mim.Não gosto deste tipo de assunto,me assusta.
Beijos
Sonia
Um texto muito bom... reflexivo... Parabéns por abordar tema tão instigante quanto é a Morte. Bem sabe,o quanto falo dela nos meus versos...
Bjs!
Postar um comentário