DA
CASA EM FRENTE...
Na
rua em que morava havia um correr de sobradinhos, iguais e geminados bem
defronte á minha casa.
Preenchia
minhas horas preguiçosas sentada ao terraço
no cair da tarde e entre um livro ou um trabalho manual, me divertia
observando os pequenos pássaros que ainda se aventuravam de uma árvore a outra
antes de se recolherem ao ninho e também às retardatárias borboletas pousando
de flor em flor que coloriam meu pequeno jardim.
A
verdade é que observava também aos sobradinhos à frente de casa e ainda às
crianças, ano a ano acompanhando seus desenvolver.
Fui
observadora cúmplice de muitos namoricos a partir da adolescência delas, assim
como de algumas rusgas, rompimentos e quantas vezes mesmo de longe compartilhei os sonhos que
faziam as mocinhas desses sobrados, suspirarem enquanto perscrutavam os céus
estrelados assim como às esquinas.
Pouca
diferença de idade entre elas, a mais nova e sapeca desde pequena até os seus
vinte e poucos anos, saia de sua casa pela janela do quarto dos pais e
percorrendo o telhadinho que cobria aos terraços das duas casas, entrava na
visinha também pela janela a fim de tagarelar com a amiga.
Sabe-se
lá o que confidenciavam a despeito do sempre presente e alerta olhar das duas
famílias que, às antigas, não davam muita trégua ou liberdade às mocinhas.
Vi
namoros nos portões, depois nos terraços e até que obtida a devida permissão,
promovidos ás salas e até a algumas refeições.
A
mais velha das duas, aquela cujo terraço dava diretamente em frente ao meu,
linda e prendada mocinha, sempre tinha pretendentes que a pé ou de carro,
batiam à sua porta, alguns não passaram de flerte ou paquera, outros de
namoricos, alguns duravam uns poucos meses e o mais longo e bem mais tarde, uns dois anos.
Flores
sempre eram entregues e bem recebidas, mas os namoros às antigas e com
constante vigilância, não fossem com intenções sérias, eram logo descartados.
Uma
tarde apareceu um rapaz de terno, o que não era de todo incomum, o incomum era
a postura empertigada e o imenso nariz em figura angulosamente magra, o que me
fez duvidar da continuidade desse namorico e não sem razão, pois pouco durou o
namoro de mãos dadas a percorrer o quarteirão.
Soube
depois pela própria mocinha que indignada e entre risos me contou que o dito
pretendente era tão religioso que tinha dois conselheiros espirituais, um padre
capelão em igreja do centro da cidade e outro no Palácio do Bispo, mais próximo
das praias.
Disse-me
mais a mocinha que o rapaz em questão se
confessava a ambos os padres e com eles trocava confidências e pedia diretrizes
e que isso fizera bem recentemente por
ter a ela roubado um beijo não sendo rejeitado e tão indignado estava por a
moça ter aceitado o beijo que gesticulava e esbravejava até que um perdido
mosquito entrou-lhe pela bocarra aberta, dando-lhe um susto que acabou em
surto! Quanto mais tentasse expelir o voador e sem sucesso, mais a nossa
amiguinha era tomada por incontrolável acesso de riso!
Disse-me
ainda, que durou um bom tempo esse drama e comédia. Terminado estava o namoro.
Por
vezes me vejo a relembrar esse tempo e suas histórias, doces lembranças!
Terão
as mocinhas, que vi crescer, realizado seus sonhos? Estarão casadas, rodeadas
de filhos e netos? Serão profissionais competentes?
O
que terá sido feito daquelas jovens que tanto coloriram minhas tardes
preguiçosas?
4 comentários:
Fiquei feliz em acordar nesta segunda-feira deparando-me com mais uma das deliciosas crônicas de minha querida amiga Mariza. Todos nós, em nossa juventude, nos encontramos com as mais diversas situações que envolvem, desde os casarões onde moçoilas se reuniam, até casos de namoricos e amizades das quais nunca ficamos sabendo o que o destino lhes reservou. E sempre fatos ocorrem sem que tenhamos conhecimento do final, seja ele triste ou Feliz. Mais uma vez parabéns, amiga, por nos encantar com seus escritos. Um abraço.
São muito boas essas lembranças.
Levam-nos à mocidade e às semelhanças.
Fazem tanto bem esses rememorares.
Trazem de volta velhos olhares, quereres.
Como ficam marcadas as nossas memórias.
A vida vivida e cheia de histórias.
Obrigado, Mariza!
Que delícia de crônica, Mariza! Lembrei-me de minha infância e começo da adolescência no interior, onde ainda não havia fileiras de sobradinhos, mas de casas térreas, com portas de entrada direta da rua, talvez com os mesmos tipos de personagens que você descreve tão bem. Parabéns!
Esta crônica é pra ler, reler... sonhar...
Ah, lembranças... quantas!...
Obrigada por esse presente, Mariza,
Nós, seus leitores agradecemos!
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