domingo, 6 de julho de 2014

NUNCA RETORNOU !

                                                                                 
                                                                       
                                               NUNCA RETORNOU!
                                                                                                                                     

        A harmonia do meu reino encantado se quebrou por uma história peculiar contada à boca pequena pela vizinha da frente, em tarde domingueira.
        Entre um biscoito e outro e uma chávena de chá de jasmim, a vizinha do 1032 me contou algo curioso, ocorrido com Marisol  a mulher do 1001.
        Obesa de dar pena, após longos, difíceis e infrutíferos tratamentos, foi encaminhada pelo endócrino a psiquiatra, em busca de cura e esbeltez.
        Sua consulta foi um desastre!
        Bem a contragosto e pisando em ovos, munida dos documentos e exames de praxe, contou-me a vizinha do 1032 que Marisol adentrou ao consultório de aparência faraônica, imbuída de coragem e ressalvas. Sentou-se em local estratégico, pronta para a fuga em qualquer eventualidade, mantendo-se com a bolsa sobre os joelhos e estes juntos à beira da cadeira, como em posição de alerta.
        Marisol em tensão viu e ouviu muita coisa naquele consultório e, nada a tranquilizava! Era um desfile contínuo e, “louquinhos da aldeia” que entravam e saiam todos acompanhados e que, no caminho da entrada a seus assentos, bebiam de uma garrafa de “torneiral”, todos babando e se servindo de um único copo de papel ali disponível. Assustada e atemorizada assistia à prepotência incisiva e algo abusiva da secretária que não repetia ordens sem intimidação. Entra um, sai outro e Marisol em verdadeiro turbilhão e sempre atenta, até que chegou a sua vez!
        Com amplo sorriso ultrapassa a porta. Para quebrar o gelo típico de tamanha ansiedade foi logo dizendo:
        - Boa tarde doutor! E ao se sentar, prossegue: Tive um colega de turma com o seu sobrenome Doutor.
        E o médico, levantando pela primeira vez os olhos da papelada que tinha à frente, lhe pergunta:
        - De turma? Mas... o que a senhora fez?
        - Direito.  Responde-lhe Marisol.
        - Aqui na Terra mesmo? E ante a aquiescência da paciente, retruca-lhe:
        - Não, não deve ser parente, pois minha família é do nordeste e eu nasci no Espírito Santo e por mero acaso, pois os meus estavam em trânsito! E continuando, diz-lhe o médico: Mas eu também tenho jurista na família, pois meu avô foi Ministro do Judiciário e meu pai, era primo do General Casagrande do Amaral, que foi Presidente do Brasil.
Presidente ou ditador pensou Marisol? Mas, em voz alta, apenas lhe respondeu educadamente e com medo da camisa de força, pois a secretária lhe dissera, ser o médico diretor de hospício local: - Que beleza doutor! Meu pai não, mas meu avô também era primo de dois dos nossos presidentes.
        - Não me diga! E quem foram eles? Pergunta-lhe o médico.
        - Campos Sales e Prudente de Morais, doutor. E este, com a ficha da paciente nas mãos, indaga:
        - Mas, seu sobrenome não é Leme de Alcântara? Ao que Marisol lhe responde:
        - Sim Doutor, mas esse foi só um interventor no nosso Estado de São Paulo!
        Ele prescreveu-lhe remédio de tarja preta e marcou um retorno.

                                    Mariza C. de C. Cezar
                                    Santos, 10/04/2014
                                                                                                           
                                                       

                                                                                                              

                                         

2 comentários:

Gisele Cezar disse...

Adorei!!! Bem leve apesar do assunto ser denso, muito bom.

Suely Ribella disse...

Retornar? Não mais! (rsrs)
Gosto das suas estórias e do seu jeito especial de contar!