PERPLEXIDADE
Alguém
já terá sentido a perplexidade ante o vazio?
Não
me refiro ao vazio do açucareiro ou do pote de feijão ou de arroz nem mesmo ao
do sal, o que poderia ser um inconveniente passageiro e resolvível.
Também
não me refiro aos ditos vazios do coração flagelado por dor de saudade ante a
constatação do fim, por vezes temporário, mas com sabor de nunca mais.
Falo
do vazio, do oco, do abstrato, do nada absoluto recortado na paisagem, num
trecho de rua, a falta do concreto desaparecido. Falo do impacto do oco visualizado
e sentido na atmosfera circundante, aquele que num átimo de segundos nos atinge
quando constatamos a ausência do todo, de algo certo, real, concreto.
O
impacto é tão grande que nos tira o chão, nos rouba pedaços de vida e nos faz
estagnar como se aquele vazio nos atingisse e ameaçasse e nos sugasse também
para aquele buraco no tempo, como se apenas um passo nos separasse do nada
absoluto.
Foi
justamente assim que me senti por duas vezes.
Na
primeira, foi em uma das muitas noites em que pegava meu carrinho para matar a
saudade do ninho, namorar a casa em que cresci e em certa noite estrelada,
agradável e de calorento verão, depois de cumpridas as muitas obrigações diárias
de trabalho, domésticas e familiares, me dirigi à rua Piauí, no bairro da
Pompéia, a procura do lar e em seu lugar encontrei o vazio absoluto, um nada,
misto de finitude, um portal ou vácuo estarrecedor pronto para sugar, para o
não ser.
Em
choque e algo estupefata, retornei à nova residência e até hoje revivo aquela
cena enquanto me comprime o peito, e
rouba o chão, as raízes.
Podemos
mudar de residências, viajar, correr mundo, mas o berço, o ninho, o lar,
permanece como porto seguro, como aconchego e certeza inquestionável.
Uma
segunda vez, poucos anos depois, me deparei com o vazio novamente! Meu carrinho,
um Gol tão em moda à época, fruto do meu trabalho e companheiro prestativo e
solidário de todas as horas na vida corrida, agitada, sobrecarregada e ativa
que levava entre as obrigações domésticas e cuidados com a minha querida mãe
que ficara cega em razão de um AVC e minha tia-mãe e madrinha que moravam em outro
bairro, e isso fazia antes de ir para o trabalho e na volta dele, aferindo as
pressões arteriais das duas, os respectivos remédios, as compras e refeições.
Tudo
certo me despedia delas com um beijo para ir à minha casa preparar o jantar
para o marido que chegaria do escritório, enfim, corria e me desdobrava.
Meu
Gol companheiro, à porta sempre à minha espera, mas naquela noite me deparei com o vazio absoluto,
impactante que absurdamente dava a sensação de recorte absoluto no vazio da
paisagem local.
Roubaram
meu carrinho e com tudo que havia dentro.
Não
importa se fui à Polícia fazer o B.O. e menos ainda se passei boa parte da
noite na garupa da moto do marido
percorrendo os mais diversos bairros e becos da cidade e adjacências, à procura
do meu carro, menos ainda o telefone que nos acordou altas horas da madrugada,
noticiando que a polícia o havia encontrado, depenado mas disponível. O impacto
do vazio já ficara gravado na memória e no coração.
Esses
foram dois momentos distantes entre si, no tempo e no espaço, mas ambos me
afrontaram com o terrível vazio, do recorte absoluto na tela ou enredo da vida,
ambos me mostraram num repente, o vazio repleto de nada, absolutamente nada que
ecoa em mim e que assim ficará, acredito, para todo o sempre.
Mariza C.C. Cezar
3 comentários:
Belamente relatado dois momentos tristes...
E quem não se deparou com algum tipo de vazio, assim, que fica para sempre guardado na memória?
É, amiga Mariza... estou a refletir...
Bjos. saudosos...
Minha querida amiga. Impossível viver neste mundo sem esse tão bem descrito vazio que você delineou. É difícil aceitarmos que, no fundo, sempre seremos animais solitários -- mesmo estando caminhando na rua entre o burburinho da multidão. O vazio interior é existencial. Entre conquistas e perdas, vamos ter sempre que nos superar e tocar a vida como realmente ela se nos apresenta. Bela crônica. Um abração.
Uma lacuna dentro da gente, onde procuramos entender os porquês. Imagino o vazio que você sentiu, pois já senti essa sensação, como se um pedaço fosse arrancado da nossa alma. Adorei.
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