domingo, 19 de março de 2017

AO PÉ DO BORRALHO...

Bom 
                                                                   

                       AO PÉ DO BORRALHO...



                Acho que sou meio gata pois, borralho me dá muita saudade e uma vontade danada de me enrodilhar e sonhar, trazendo à memória episódios esparsos e ocasionais vividos e ainda vívidos na zona de conforto das lembranças dos tempos das casas das fazendas e também do interior, quando ainda era criança ou pré-adolescente!
                O calor aconchegante da lenha queimando, se fazendo brasa  que enrubesce nossas faces, enquanto esquentamos nossas mãos frias, espalmando-as ao borralho.
                A um canto qualquer dormita um gato ronronando de puro prazer.
                Ao fogão, uma chaleira fumegante e pouco mais distante, o tripé com coador de pano, pronto para coar o café, podendo ainda da água fervente ser feito o famoso chá de estrada como se chama também o de capim cidrão, mais apropriado para as reuniões noturnas com o fim de chamar o sono.
                Ouvir estórias e saber histórias de tios e tias ou dos avós e também dos que não estavam mais aqui. Naquele aconchego gostoso as estórias e os causos tinham muito mais sabor!
                Ali aprendi também muitos truques culinários e receitas ao vê-las praticadas com desenvoltura e dedicação. São coisas que as crianças registram sem nem se darem conta!
                Uma única vez, fiquei um bom tempo em pé ao lado do fogão, enquanto minha avó paterna a pedido do “Senhor seu Marido”, preparava para ensinar à menina de 13 anos a fazer o famoso virado tropeiro. Ali em pé, vi fazer o feijão, derreter o toucinho fazendo torresmo (ai que delícia!) que me trás água na boca mesmo agora que me lembro.
                À beira do fogão, várias pequenas tigelas, uma com a farinha, , outra com a pimenta dedo de moça, mais outra com os temperos, e uma com os torresmos e outra ainda com o cheiro verde tudo processado e, pronto para uso e em outra tigela bem maior, tudo e o feijão coado foram colocados em camadas coloridas que se sobrepunham a despertar a gula enquanto a avó aí despejava concha com o caldo fervente do feijão e um pouco da banha derretida.
                Feito estava o prato e minhas narinas assanhadas e o apetite veio todo do calor, do cheiro, do colorido e do amor com que o prato foi preparado.
                No entanto a magia do borralho me vem à memória também da casa de uma tia materna que morava à rua da Consolação em plena São Paulo da garoa!
                Era ainda criança de uns três anos de idade e ela, a tia me chamou para a cozinha  e tirando a chapa da primeira boca do fogão a lenha, me entregou uma escumadeira e me incentivou a com ela ir puxando as cinzas do borralho e com elas as moedas que  uma bruxa rápida e invisível vinha deixando cair por entre as agonizantes brasas, enquanto ela, a tia e sem que a menina percebesse ia jogando uma a uma, por vezes pequenos punhadinhos de moedas mágicas pela boca descoberta.
                Esfuziante e alegre a menina puxava com a escumadeira o tesouro encantado que a bruxa boa lhe presenteava naquele momento maravilhoso!
                Que magia e encantamento! Esse momento imemorável mais convincente se fazia vez que o gato chamado “Pirulito”, preto como devem ser os gatos das bruxas que se prezam, emprestando autenticidade ao momento se enroscava pelas nossas pernas.
                Lembranças de borralho estão ainda quentes na memória e dão sabor e calor à vida e ao tempo!

                                                   Mariza C.C. Cezar
                                                        
                                                               
               



   

3 comentários:

Flávio Tallarico disse...

Mariza: eu também sou do tempo do fogão à lenha.Tanto que, quando minha mãe fazia um pudim de doce de leite (que eu adorava), colocando uma panela grande com água a ferver, Depois colocava no fundo da panela grande dois pedaços de telha para que a segunda panela, com os ingredientes do pudim, não encostasse no fundo da outra. Eu, pequenino ainda e guloso, sempre pedia a ela para fazer um pudim de "teia" (telha), pois pensava que a telha era um ingrediente do pudim. Sua crônica - tão deliciosa como o pudim -, me fez de novo voltar à infância. Agradeço a você por esta maravilhosa recordação. Um abraço.

Carlos Gama disse...

Ah, quantas boas lembranças você me traz com essas suas, Mariza.
O feijão tropeiro ainda em preparo e a saliva acumulada já quase transborda. Que desejo! Que saudades! Sente-se o cheiro da lenha queimando; o mesmo cheiro das manhãs, aqui, em Registro. Esse seu fogão a lenha traz ainda a imagem das carnes no fumeiro e a fome me domina por inteiro.
Tenho ainda um pouco de "pancetta" na geladeira, acho que vou aproveitar o tempo mais fresco e lhe dar o destino adequado.
Excelente a crônica, excelentes as imagens e as lembranças.
Obrigado, cara amiga!
Fraterno e afetuoso abraço.

mario sebastiao bonitatibus disse...

Maravilhosos tempos, defuntos, na nossa memória! A luz da lembrança brilha e nos trás maravilhas... Fiquei noivo ao pé do fogão de lenha, na fda. São francisco de Assis, nas barrancas da serra de Santa Rita do Passa Quatro, Sob o lume de um lampião a gaz de carbureto, a felicidade iluminava mais que tudo, mais que ele! A realização de um sonho e confirmado com tênues anéis de ouro, gravado no meu, o nome dela e no dela, o meu, em ambos, aquela data: 20/3/1976! Sobre a chapa quente, em uma panela de ferro, cozinhava um bolo, tendo na tampa de boca a acima, brasas tiritantes! Bons e memoráveis tempos!