OBRA PRIMA
Moreno,
charmoso, bem posto, sempre de óculos escuros, saia para percorrer ruas,
praças, o mercado municipal e até á beira do cais marcava presença com seu cão
guia.
Simpático
sorria para os transeuntes ocasionais, cumprimentando ou trocando dois dedos de
prosa com conhecidos ou com alguém novo que despertasse a atenção do seu nariz
atilado.
Sim,
seu nariz e também sua sensação de espaço e por isso de formas. Ele “via” muito
mais que os premiados com o sentido da visão.
O
tato e o paladar então, não apenas funcionavam, gritavam descrevendo detalhes
de formas e sabores e as pessoas se lhes apresentavam em ricos detalhes de
roupas ou desnudas. As primeiras lhes contavam o humor e preferências ou
tendências e o nu, lhe revelava a alma e intensidade das paixões de cada um.
Se
suas manhãs eram de perambular ao saudável sol, suas tardes eram uma incógnita
para os menos íntimos.
A
verdade é que esse período dedicava a duas paixões, música que o arrebatava a
outras dimensões em que se soltava e extasiava, até que por ela era levado. Se
dirigia ao atelier também preenchido pela música que o fazia mergulhar as mãos
no barro e criar maravilhas que o cheiro trazido das ruas nas narinas atentas e
o som predominante e envolvente o impulsionavam a do barro chão e artesanal,
criar formas e expressões que levavam alma e despertariam vidas!
Poderíamos
parar por aqui pois narramos a rotina de vida e a criatividade de uma singular
figura.
Continuaremos
mais um pouco, pois algo inédito aconteceu em uma noite, período até então não
abordado, mas o nosso amigo, como todo bom artista era boêmio e suas noites
ricas de vida.
Vida
e rotina a bem da verdade, pois acompanhado por seu cão guia, todas as noites
após frugal jantar, se dirigia a um bar dançante e mais uma vez a música o
conduzia a outro patamar a que se entregava prazerosamente, confraternizando
com a alegria que grassava no ambiente sensual.
Ouvia
e cheirava os ares que por vezes eram tomados por formas esbeltas ou roliças,
outras vezes apetitosas!
Dançava.
Gostava de dançar e a música lhe fazia sempre bem e gostava também de
confraternizar e o fazia até que entendesse ser hora de descansar, para no
próximo amanhecer recomeçar suas
andanças e rotina tão ricas e criativas.
Uma
noite, encontrou primeiro o cheiro que imediatamente lhe encaminhou á boca o
gosto, e suas mãos apressadas envolveram
á eleita para a sensação da dança e aí, o encaixe dos corpos foi tão lindamente
completo que o arfar e o fremir das bocas e corpos ao ritmo, não se sabe se da
música ou dos corações uníssonos os tomavam por completo.
Essa
noite ele ousou sair da rotina pré-estabelecida, ficou mais e ficando, muito
mais tempo ficou e acabou levando-a com ele.
Naquela
noite mesmo se desvendaram, se desnudaram, se conheceram de forma completa, bíblica e pagã, se amaram intensa e lindamente!
A
manhã os encontrou no estúdio, ele a do barro perpetuar a fêmea, mergulhando
suas mãos cheias do corpo dela no barro e
o modelava com a beleza dela, com o amor que ainda percorria seus jovens
e saudáveis corpos, ela languida a posar entregue, totalmente
entregue a ele e á arte que a perpetuava como o amor e a obra prima dele!
Mariza C.C. Cezar
Um comentário:
Mais uma bela crônica demonstrando que a cegueira não impõe limite à vida, quando a determinação está acima do lamentar-se. Os outros sentidos permitem que a vida continue bela e encontre, com mais apuro, as verdadeiras paixões escondidas em um odor, nas palavras e no toque carinhoso das mãos femininas que o enlaçam e dedique a ele todo o seu amor.
Parabéns.
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