quinta-feira, 15 de março de 2018

ELE FOI ESPECIAL!


                                                                                                                                           
                ELE  FOI  ESPECIAL!
                                                                                                                 

                Muito comum se falar em saudade, principalmente os mais velhos, aqueles que têm história e recordações.
                No meu caso tenho imensa saudade e posso dizer que de “alguém” muito especial, tão especial que ainda parece ter vida, tão presente e atuante companheiro enquanto foi meu.
                Nas minhas memórias ainda tem e nenhum outro dos muitos que tive, significou companheirismo e identidade como o primeiro que marcou território e me fez cativa!
                Saudade sim do meu fusca “Branco Lótus”, o meu primeiro carrinho nascido prematuro em  fins de 1969, com certificado 2221 de l970.
                Ele era branco, amigo, companheiro para todas as horas e nunca se fez de rogado!
                Meu fusquinha era frugal, parcimonioso, econômico, prestativo, me levava às compras, feiras livres e aos  shoppings, ao trabalho e à faculdade, à igreja, aos bailes e boemias.Ele ainda  me levava a São Paulo pela Anchieta até quando chovia torrencialmente caindo barreiras pela estrada!
                Após visitas a parentes e a amigos, namorar e por vezes a paquerar, ainda a fazer filmes a título de “bico” para comerciais televisivos, ainda tinha disposição de levar a mim, minha irmã e suas filhas pequerruchas, à Praça da República e de lá, acompanhando curiosas ao movimento hippie, a Embu das Artes e, por vezes carregando de carona a um” bicho grilo” expositor e à sua bagagem.
                Voltávamos, ele e eu ao volante, sempre e à hora que fosse, pela Estrada Velha bela e histórica, então aberta ao público. Estrada quase sem trânsito e também sem pedágio, o que era muito convidativo!
                Meu “Branco Lótus” me levava às colunas sociais como à fila do INPS, madrugada a dentro, abrigando a minha mãe que dormitava enquanto eu guardava lugar na longa fila da rua Santo Antonio na Bela Vista que outros chamam de Bexiga, em São Paulo.
                O meu muito amado “Fusquinha” carregada ainda meus sonhos, projetos, ilusões, aventuras, as crianças da família e de amigas e também às caronas ocasionais e às sistemáticas nas idas e vindas do trabalho e faculdade.
                Mais parecia um cabritinho não podendo ver morro que subia! Subia a Serra do Mar, o Morro da Nova Cintra que subíamos pelo Marapé e descíamos pelo lado da Linha Um que conduz a São Vicente, uma descida íngreme e tortuosa. Subia também o Morro de Santa Terezinha, então aberto a visitações, à Ilha Porchat, ao do Maluf e a todos os outros do Guarujá, principalmente aos que acompanhavam à estrada ao lado do canal para Bertioga.
                Quantas alegrias, confidências, choros copiosos e sentidos que só poderia verter na intimidade amiga e companheira desse velho e querido amigo de todas as horas, sempre solidário e discreto!
                Como me doeu na alma quando uma manhã ele apareceu doente, faltava-lhe um pedaço  do para-choque dianteiro, mais precisamente do lado direito! Meu irmão caçula, então um rapaz, o surrupiara pela madrugada, junto a um amigo também amigo das badernas e sempre acompanhado de um violão que lhes garantia sucesso nas empreitadas e assim ambos desencaminharam o meu “Branco Lótus” pela madrugada adentro, deixando o pobrezinho avariado,
                Que saudade do meu amigo!
                Fusca “Branco Lótus” l970!
                Vivemos em plena simbiose e harmonia!
                Momentos inesquecíveis!

                                                                  Mariza C.C. Cezar

                                                                                                                                  
                                                                                                                                                                   

segunda-feira, 5 de março de 2018

O REINO DO DOUTOR PORQUINHO

                                                                                                                                                                           
                O REINO DO DOUTOR PORQUINHO
                                                                                                                                                                          

                Era uma vez..., e sempre no mundo do faz de conta, n’uma selva de concreto, mármores, granitos e bronzes, por entre rubras e macias passarelas, em tronos imponentes ou antro mal iluminados, úmidos e malcheirosos, vivia a bicharada em ordem de importância, na hierarquia do cifrão, todos reinados pelo astuto Doutor Porquinho fantasiado de Leão.
                Esse Doutor Porquinho, amava às honrarias, gostava dos prazeres e vibrava de autoridade, camuflando-se entretanto, quando em visitaa outros reinos, ou quando por sua vez, a seus reis recepcionava, em pele de cordeiro ou ainda, em gato ronronante.
                Doutor Porquinho, extasiava-se com fantasias, com roupagens, com mesas fartas e banquetes, amava às solenidades e comprazia-se com bajuladores. Assim seu reino primava pela injustiça, descontentamento, sofrimento, mas ninguém ousava se manifestar, ajustavam-se seus pares enquanto os dissidentes se mantinham ou eram mantidos à distância, honrosamente e, os súditos se subordinavam.
                Como era instável e imprevisível, como são todos os déspotas, aos bichos do seu reino, mantinha em sobressalto, chegando a sufocá-los pela prepotência, enquanto por vezes, fazendo-se de magnânimo, distribuía sorrisos e saudações que gratificavam e traziam êxtase àqueles que, agraciados por tal benevolência, se enchiam de alento e esperança, enquanto se sentiam privilegiados e eleitos, abençoados pela sorte e com o futuro garantido, contentando-se com tão pouco!
                O Doutor Porquinho sentia-se um sábio jurisconsulto e emérito cientista, alquimista, ocultista enquanto para confraternizar, gabava a veia poética escrita ou falada e, os dotes culinários, dizendo ainda tocar piano, violão, acordeão, fazendo-se passar por especialista nos sete instrumentos, embasbacando àqueles que se deixavam deslumbrar, tal qual um malabarista ou ilusionista.
                Vez por outra o Doutor Porquinho mostrava-se  boêmio e galanteador, domador de bicho brabo, capaz de vencer rodeio, encantando às fêmeas de seu reino e àquelas que por ali transitassem e, colocando de sobreaviso aos machos, súditos ou não, mas que se sentiam diminuídos e impedidos de concorrer com tal Autoridade e com tantos dotes e artimanhas.
                Um belo dia, os anos a passar, o Doutor Porquinho ponderando, resolveu procurar uma consorte que, no pensar de muitos seria uma senhora sem sorte, entretanto, resguardando-se dessas observações não enunciadas, o senhor Rei daquela selva, se pôs a namorar gentil gazela, filha que era de nobre das redondezas.
                Decorrido espaço de tempo protocolar e guardado o devido decoro, chegou-se ao casamento, sonho de toda donzela, e meta necessária aos objetivos políticos daquele reino animal.
                A bicharada se embeveceu com o acontecimento ímpar e, por dias,  ouvia-se o cantarolar da marcha nupcial que martelava a cabeça de quase todos eles, bichos românticos e sonhadores. Alguns até mantinham uma esperança secreta de que o romance mudasse alguma coisa no Reino, abrandando o pulso férreo do senhor Rei.
                Os preparativos da festa foram apreciados, assim como a solenidade, a riqueza  de detalhes refinados e coloridos, o protocolo da corte, o cheiro das iguarias e o tilintar dos cristais e talheres reluzentes em prata e ouro e ainda, o farfalhar  dos tecidos suntuosos  e bordados em pedrarias que cintilavam ofuscando até aos mais  habituais frequentadores dos salões e colunas sociais dos reinos animais.
                Soberbos e belos, os noivos receberam à nobreza e aos representantes de outros reinos, valsaram, brindaram após as bênçãos dos pais, padrinhos e do líder e conselheiro religioso, trocando juras de boa convivência, fidelidade e amor eterno, partindo, a seguir, para encantada e promissora lua de mel.
                Decorridos alguns poucos anos, quando todos se perguntavam se aquela união duraria e ainda cogitavam sobre o destino do reino, foram agraciados com a visita da senhora cegonha, carregada que estava pelo ,transporte da ninhada encomendada, que veio à luz encabeçada por gentil gazelinha seguida de mais duas, todas dentro da linhagem materna, o que frustrou e enfureceu ao Douto Porquinho fantasiado de Leão.
                Para guardar as aparências, foram festejadas as herdeiras, batizadas e apresentada à corte e à plebe, entretanto como na festa da vida não dura, mesmo no mundo animal, o amor acabou e com ele os sonhos.
                No bom interesse das partes e reinos, as coisas correram rápidas e discretas, à despeito da “boca pequena” maledicente que balbuciava com riqueza de detalhes o acontecido, apesar do receio predominante entre o comum dos mortais animais.
                Se antes as coisas não eram boas, depois dos últimos acontecimentos, pioraram e muito!
                A bicharada miúda tremia de medo! Medo havia em tal reino até dos companheiros, pois nunca se sabia qual dos bichos privava da confiança do Douto Porquinho e nem onde o perigo espreitava, o caso é que, logo uns subiam de posto, enquanto outros... em seus cantos permaneciam à míngua quase que do necessário à sobrevivência ou à decência animal, vivendo amorfa e rotineiramente massacrados.
                Poucas leis esse Rei baixava, entretanto, justamente por não havê-las escritas, tudo era lei, ou melhor, tudo haviam por proibido: não se podia falar (e bicho fala?), não se podia pensar (e bicho pensa?), não se podia... Ah! Isso também não se podia, só se assim o Seu Rei o quisesse.
                Aquela floresta, pelo longo tempo da gestão do Doutor Porquinho fantasiado de Leão, tornara-se um feudo onde a bicharada mal respirava e a tudo discretamente espiava, na ansiedade do que estaria por vir, mas sempre dançando a música do comando e no ritmo das badaladas do relógio.
                Por longo tempo o Douto Porquinho reinou, por longo tempo o comum dos bichos penou e, entre eles até a dona coruja e suas primas, pois a elas, mais que aos outros bichos, o Rei afastava, e o fazia por temê-las, pois as sábias aves, até de olhos fechados enxergavam, e quietinhas em seus cantos, ouviam sem nada dizer ou fazer, a não ser suas obrigações, incomodavam.
                O Doutor Rei era inseguro, no fundo deveria saber-se fraco e que, se Rei era, não era Leão, mas era apenas um porquinho camuflador, oportunista, interesseiro e usurpador, portanto temia por seu trono, tinha medo do silêncio consciente daquelas que conhecem, veem e sabem.
                A impressão passada pela aparência que ostentava, era a de que o Senhor Rei era o máximo! Pouco discreto e nada humilde, pois entendia que tudo lhe era devido e de tudo merecedor, tendo todos os direitos, mesmo os de vida e morte naquele território animal.
                Conta a estória do faz de conta que assim continuou por longo tempo, até que o Bom Deus, cansado de tanta injustiça, de tanta maldade e badalação, puxou o rubro tapete, a encarnada passarela e, lá do alto do seu trono, o Doutor Porquinho balançou, perdeu o equilíbrio e mesmo não sendo gato, levou um grande tombo de sete palmos, de sete vidas, caiu... e morreu, dando lugar a outro bicho que de tão bom, de tão justo, aquela selva transformou em mundo de verdade e, os bichos em humanos.
                Conta ainda o livro de atas da história daquele reinado animal, que muitos dos seres ali existentes se fizeram homens e mulheres, carregando alguns, em suas feições humanas, os traços dos animais que foram. Hoje, onde há beleza e justiça , vemos algumas pessoas que por ali transitam, vivem e trabalham, com características de: cobra, camelo, galo, cigarra, avestruz, cachorro, macaco, veado, até vacas por lá convivem com delicadas gatinhas, com laboriosas formigas, cantantes cigarras e sábias corujinhas.
                O que nos leva a entender que se o mal não dura para sempre, podendo até ter um final trágico ou triste, o bem é sempre recompensado, produzindo por vezes milagres, mas o importante é sabermos que a verdade prevalece ao tempo, tanto que os reais sentimentos e atitudes, acabam por se manifestar e incorporar à nossa alma, fazendo-se presentes até em nossa aparência.
                Lembremo-nos ainda, que se nos tempos modernos se recomenda com grande ênfase os cuidados com a saúde e o físico, deveremos nos preocupar primeiro em cuidar dos sentimentos e atitudes, pois será a saúde deles que determinará quem ou como seremos e como nos apresentaremos, por toda a eternidade neste mundão de Meu Deus!
                                                                                         
                                                                                                                                                                                                        Mariza C.C. Cezar