O REINO DO DOUTOR PORQUINHO
Era uma vez..., e sempre no
mundo do faz de conta, n’uma selva de concreto, mármores, granitos e bronzes,
por entre rubras e macias passarelas, em tronos imponentes ou antro mal
iluminados, úmidos e malcheirosos, vivia a bicharada em ordem de importância,
na hierarquia do cifrão, todos reinados pelo astuto Doutor Porquinho fantasiado
de Leão.
Esse Doutor Porquinho, amava às
honrarias, gostava dos prazeres e vibrava de autoridade, camuflando-se
entretanto, quando em visitaa outros reinos, ou quando por sua vez, a seus reis
recepcionava, em pele de cordeiro ou ainda, em gato ronronante.
Doutor Porquinho, extasiava-se
com fantasias, com roupagens, com mesas fartas e banquetes, amava às
solenidades e comprazia-se com bajuladores. Assim seu reino primava pela
injustiça, descontentamento, sofrimento, mas ninguém ousava se manifestar,
ajustavam-se seus pares enquanto os dissidentes se mantinham ou eram mantidos à
distância, honrosamente e, os súditos se subordinavam.
Como era instável e
imprevisível, como são todos os déspotas, aos bichos do seu reino, mantinha em
sobressalto, chegando a sufocá-los pela prepotência, enquanto por vezes,
fazendo-se de magnânimo, distribuía sorrisos e saudações que gratificavam e
traziam êxtase àqueles que, agraciados por tal benevolência, se enchiam de
alento e esperança, enquanto se sentiam privilegiados e eleitos, abençoados
pela sorte e com o futuro garantido, contentando-se com tão pouco!
O Doutor Porquinho sentia-se um
sábio jurisconsulto e emérito cientista, alquimista, ocultista enquanto para
confraternizar, gabava a veia poética escrita ou falada e, os dotes culinários,
dizendo ainda tocar piano, violão, acordeão, fazendo-se passar por especialista
nos sete instrumentos, embasbacando àqueles que se deixavam deslumbrar, tal
qual um malabarista ou ilusionista.
Vez por outra o Doutor Porquinho
mostrava-se boêmio e galanteador,
domador de bicho brabo, capaz de vencer rodeio, encantando às fêmeas de seu
reino e àquelas que por ali transitassem e, colocando de sobreaviso aos machos,
súditos ou não, mas que se sentiam diminuídos e impedidos de concorrer com tal
Autoridade e com tantos dotes e artimanhas.
Um belo dia, os anos a passar, o
Doutor Porquinho ponderando, resolveu procurar uma consorte que, no pensar de
muitos seria uma senhora sem sorte, entretanto, resguardando-se dessas
observações não enunciadas, o senhor Rei daquela selva, se pôs a namorar gentil
gazela, filha que era de nobre das redondezas.
Decorrido espaço de tempo
protocolar e guardado o devido decoro, chegou-se ao casamento, sonho de toda
donzela, e meta necessária aos objetivos políticos daquele reino animal.
A bicharada se embeveceu com o
acontecimento ímpar e, por dias,
ouvia-se o cantarolar da marcha nupcial que martelava a cabeça de quase
todos eles, bichos românticos e sonhadores. Alguns até mantinham uma esperança secreta
de que o romance mudasse alguma coisa no Reino, abrandando o pulso férreo do
senhor Rei.
Os preparativos da festa foram
apreciados, assim como a solenidade, a riqueza
de detalhes refinados e coloridos, o protocolo da corte, o cheiro das
iguarias e o tilintar dos cristais e talheres reluzentes em prata e ouro e
ainda, o farfalhar dos tecidos
suntuosos e bordados em pedrarias que
cintilavam ofuscando até aos mais
habituais frequentadores dos salões e colunas sociais dos reinos
animais.
Soberbos e belos, os noivos
receberam à nobreza e aos representantes de outros reinos, valsaram, brindaram
após as bênçãos dos pais, padrinhos e do líder e conselheiro religioso,
trocando juras de boa convivência, fidelidade e amor eterno, partindo, a
seguir, para encantada e promissora lua de mel.
Decorridos alguns poucos anos,
quando todos se perguntavam se aquela união duraria e ainda cogitavam sobre o
destino do reino, foram agraciados com a visita da senhora cegonha, carregada
que estava pelo ,transporte da ninhada encomendada, que veio à luz encabeçada
por gentil gazelinha seguida de mais duas, todas dentro da linhagem materna, o
que frustrou e enfureceu ao Douto Porquinho fantasiado de Leão.
Para guardar as aparências,
foram festejadas as herdeiras, batizadas e apresentada à corte e à plebe,
entretanto como na festa da vida não dura, mesmo no mundo animal, o amor acabou
e com ele os sonhos.
No bom interesse das partes e
reinos, as coisas correram rápidas e discretas, à despeito da “boca pequena”
maledicente que balbuciava com riqueza de detalhes o acontecido, apesar do
receio predominante entre o comum dos mortais animais.
Se antes as coisas não eram
boas, depois dos últimos acontecimentos, pioraram e muito!
A bicharada miúda tremia de
medo! Medo havia em tal reino até dos companheiros, pois nunca se sabia qual
dos bichos privava da confiança do Douto Porquinho e nem onde o perigo
espreitava, o caso é que, logo uns subiam de posto, enquanto outros... em seus
cantos permaneciam à míngua quase que do necessário à sobrevivência ou à
decência animal, vivendo amorfa e rotineiramente massacrados.
Poucas leis esse Rei baixava,
entretanto, justamente por não havê-las escritas, tudo era lei, ou melhor, tudo
haviam por proibido: não se podia falar (e bicho fala?), não se podia pensar (e
bicho pensa?), não se podia... Ah! Isso também não se podia, só se assim o Seu
Rei o quisesse.
Aquela floresta, pelo longo
tempo da gestão do Doutor Porquinho fantasiado de Leão, tornara-se um feudo
onde a bicharada mal respirava e a tudo discretamente espiava, na ansiedade do
que estaria por vir, mas sempre dançando a música do comando e no ritmo das
badaladas do relógio.
Por longo tempo o Douto
Porquinho reinou, por longo tempo o comum dos bichos penou e, entre eles até a
dona coruja e suas primas, pois a elas, mais que aos outros bichos, o Rei
afastava, e o fazia por temê-las, pois as sábias aves, até de olhos fechados
enxergavam, e quietinhas em seus cantos, ouviam sem nada dizer ou fazer, a não
ser suas obrigações, incomodavam.
O Doutor Rei era inseguro, no
fundo deveria saber-se fraco e que, se Rei era, não era Leão, mas era apenas um
porquinho camuflador, oportunista, interesseiro e usurpador, portanto temia por
seu trono, tinha medo do silêncio consciente daquelas que conhecem, veem e
sabem.
A impressão passada pela
aparência que ostentava, era a de que o Senhor Rei era o máximo! Pouco discreto
e nada humilde, pois entendia que tudo lhe era devido e de tudo merecedor,
tendo todos os direitos, mesmo os de vida e morte naquele território animal.
Conta a estória do faz de conta
que assim continuou por longo tempo, até que o Bom Deus, cansado de tanta
injustiça, de tanta maldade e badalação, puxou o rubro tapete, a encarnada
passarela e, lá do alto do seu trono, o Doutor Porquinho balançou, perdeu o
equilíbrio e mesmo não sendo gato, levou um grande tombo de sete palmos, de
sete vidas, caiu... e morreu, dando lugar a outro bicho que de tão bom, de tão
justo, aquela selva transformou em mundo de verdade e, os bichos em humanos.
Conta ainda o livro de atas da
história daquele reinado animal, que muitos dos seres ali existentes se fizeram
homens e mulheres, carregando alguns, em suas feições humanas, os traços dos
animais que foram. Hoje, onde há beleza e justiça , vemos algumas pessoas que
por ali transitam, vivem e trabalham, com características de: cobra, camelo,
galo, cigarra, avestruz, cachorro, macaco, veado, até vacas por lá convivem com
delicadas gatinhas, com laboriosas formigas, cantantes cigarras e sábias
corujinhas.
O que nos leva a entender que se
o mal não dura para sempre, podendo até ter um final trágico ou triste, o bem é
sempre recompensado, produzindo por vezes milagres, mas o importante é sabermos
que a verdade prevalece ao tempo, tanto que os reais sentimentos e atitudes,
acabam por se manifestar e incorporar à nossa alma, fazendo-se presentes até em
nossa aparência.
Lembremo-nos ainda, que se nos
tempos modernos se recomenda com grande ênfase os cuidados com a saúde e o
físico, deveremos nos preocupar primeiro em cuidar dos sentimentos e atitudes,
pois será a saúde deles que determinará quem ou como seremos e como nos
apresentaremos, por toda a eternidade neste mundão de Meu Deus!
Mariza C.C. Cezar