sexta-feira, 27 de maio de 2016

FIAR OU TECER










                                               

               FIAR OU TECER
                                               


              Quisera um fio como o de Ariadne não para me enveredar pelos labirintos da vida, mas um fio forte e diáfano como os das aracnídeas que tecem a vida, seus ninhos, caminhos, armadilhas. Teceria sonhos e os transformaria em realidade, construiria pontes ligando distâncias e corações,  por certo uniria destinos, somaria vontades e amizades, ah! Um fio, um simples fio que bordasse a vida, contando estórias, registrando história!        Enfeitaria o viver com caseados, dentes de cão, sombras, cheios, matizados, pontos Paris, pés de galinha, richiliê, laçadas que enlaçassem o desejado, prendessem o querido alcançassem o  almejado! Crivos eu faria para dar alegria, leveza e frescor. Rococós esses pontos de nós antigos, quantos faria criando flores para enfeitar o caminho! Teceria a vida e o destino e registraria cada detalhe para meu gozo e da posteridade! Redes imensas eu faria e para me divertir e variar, pois sou criativa, faria também rendas, a irlandesa tão bela e requintada que alguns lá do Norte chamam de renascença e assim renasceria cada vez que deslumbrado alguém soltasse as e os admirativos! Sei que eu faria ainda macramê, filê, frivolité, a veneziana e a renda guipure, tantas outras faria! Uniria cordões e retalhos que contassem estórias!                                                                                         Faria um livro tecido, bordado, requintado com folhas bordadas ou lavradas a ouro, coisa que nem se usa mais, mas sei que seria um primor de artes e manhas, um deleite para olhos e espírito, que encantaria crianças e seduziria a adultos, quem sabe até ao mercado capitalista! Quero esse fio tecer, criar e me entreter! Sei que faria também presentinhos para cada um de vocês e bordaria em minha teia o nome e o coração dos amigos meus.
                                                            
                                                                       Mariza C.C. Cezar
                                                                                     

  
                                                                         

quinta-feira, 12 de maio de 2016

ESTÓRIA QUE FEZ HISTÓRIA

                                                                                     

                                                                     
                                ESTÓRIA QUE FEZ HISTÓRIA


                                                                                                      


                Francesca era o seu nome, esguia de talhe e rica de formas e como era brejeira a italiana vinda de longe, de outras terras!
                Cabelos e olhos castanhos, nariz aquilino, uma voz cantante e sorriso fácil, ternura no olhar carregado de saudade e em que o vazio das paisagens e afetos deixados ao longe, se alternavam com brilhos de esperança e curiosidade ao descortinar o novo, as possibilidades, a terra, a vida e quem sabe, o amor sonhado?
                Há a bela italianinha que ao chegar com os seus e outros vindos da sua terra, desembarcou deixando além mar suas certezas e raízes, algumas ilusões nas águas do mar ao balanço das ondas onde soçobrara o navio que saíra antes daquele em que viera, fazendo pairar em todos sensação de mau pressagio , arrancando orações e promessas durante a fatigante travessia.
                O cansaço da viagem, os incômodos na Hospedaria dos Emigrantes, o medo do desconhecido, foram deixados no trem que percorria a nova terra apitando bonito como pássaro alvissareiro!
                De carroça chegou ás terras do meu avô e seus cafezais.
                Costumes diferentes, a língua, a história, roupas, a cozinha, até a fé que na casa de meus avós era a mesma, mas as crenças e devoções divergiam!
                Logo os novos trabalhadores foram acomodados em moradias brancas, caiadas, manchadas  de vermelho pela terra que garantia a fertilidade próspera dos cafezais a que os donos das terras chamavam de “ouro verde”.
                O trabalho era pesado na lavoura e ao final do dia, laboriosos que eram os italianos, plantavam suas hortas, garantindo o almeirão, a catalonha, berinjela, tomate, salsão, manjericão, tudo o que faz seus pratos tão saborosos, especiais, nutritivos!
                Passado um tempinho de adaptação, trabalho e muito trabalho, Francesca, burlando a vigilância paterna, se enredou de amores por um dos filhos do senhor das terras, que sempre se fazia convidar pelos novos colonos, á mesa farta, ás pastas, ao frango com polenta, esta sempre cortada com barbante, ás saladas, antepastos, salames defumados pendentes sobre o fogão de lenha! Há o pão e o vinho! “Mama Mia” dizia o hospede comensal, revirando os olhos e jogando-os em busca da bela Francesca.
                A princípio tudo era festa para os jovens enamorados até que chegou ao conhecimento e preconceitos das duas famílias que se armaram de férrea oposição, cada uma zelando pelo “ bom nome”, tradição e interesses!
                Sofreram os jovens apaixonados, brigaram, lutaram bravamente contra todas as dificuldades e venceram essa etapa a despeito das diferenças e barreiras!
                Casaram-se e aí começou a segunda etapa, a convivência na intimidade, as diferenças gritavam alto e e as semelhanças apagavam todas as dificuldades na intimidade da alcova, ou nos passeios românticos a dois, pois se amavam e muito! Os apaixonados e o amor falam todas as línguas e aparam arestas!
                A bem da verdade devo dizer que aberta ou velada, as diferenças sempre marcaram os relacionamentos de ambas as famílias. Ele  o brasileiro, não era de “arregaçar as mangas”, nada afeito ao “lavoro”, não estudara não se fizera doutor e nem tinha ofício! A italianinha era exuberante, cantante, ria alto  destoando da etiqueta e do “ bom tom” que entendiam necessário.
                Enfim o casal partiu para a cidade grande construindo o seu lar, não sem dificuldades pois o marido, realmente não era afeito ao trabalho, não fora acostumado e a fortuna da família , ruíra com a queima do café estocado no porto de Santos para exportação.
                Aí o apoio e espírito de luta de Francesca foram fundamentais!
                Vieram os filhos que aproximaram os avós de ambos os lados e os tios e tias, foram se casando com emigrantes de todas as pátrias e as famílias foram derrubando preconceitos e aparando diferenças.
                Hoje num país miscigenado, cosmopolita, vivem os descendentes da bela Francesca e do atraente João Batista, prole grande entre filhos, netos e bisnetos que por sua vez quebraram outras barreiras, derrubaram outras fronteiras.
                Todos os descendentes desse belo casal conhecem a história e se orgulham da ascendência e, todos os dias de festa se reúnem á mesa para confraternizar e saborear os quitutes e receitas trazidos da Itália, como são também lembradas e transmitidas as histórias da terra distante e do romance do avô e da avó, essa “nona” Francesca brejeira até o fim da nossa estória
Convivi com todos eles desde sempre pois eram pais. e avós de tios e primos meus, minha gente, meus parentes e amigos, grande e querida parte da minha família  e essa a razão de contar a estória da linda e brejeira italianinha Francesca, pois o importante é observar o enfoque dos que da terra receberam os que chegavam para a nova vida como também a mesma história vista e narradas pelos que aqui chegaram, pois as adaptações são sempre difíceis e todas as histórias tem dois lados, dois enfoques, mas o importante é que hoje somos todos uma grande e linda família! 
                                              
                              Mariza C.C. Cezar