Francesca era o seu nome, esguia
de talhe e rica de formas e como era brejeira a italiana vinda de longe, de
outras terras!
Cabelos e olhos castanhos, nariz
aquilino, uma voz cantante e sorriso fácil, ternura no olhar carregado de
saudade e em que o vazio das paisagens e afetos deixados ao longe, se
alternavam com brilhos de esperança e curiosidade ao descortinar o novo, as possibilidades,
a terra, a vida e quem sabe, o amor sonhado?
Há a bela italianinha que ao
chegar com os seus e outros vindos da sua terra, desembarcou deixando além mar
suas certezas e raízes, algumas ilusões nas águas do mar ao balanço das ondas
onde soçobrara o navio que saíra antes daquele em que viera, fazendo pairar em
todos sensação de mau pressagio , arrancando orações e promessas durante a
fatigante travessia.
O cansaço da viagem, os
incômodos na Hospedaria dos Emigrantes, o medo do desconhecido, foram deixados
no trem que percorria a nova terra apitando bonito como pássaro alvissareiro!
De carroça chegou ás terras do
meu avô e seus cafezais.
Costumes diferentes, a língua, a
história, roupas, a cozinha, até a fé que na casa de meus avós era a mesma, mas
as crenças e devoções divergiam!
Logo os novos trabalhadores
foram acomodados em moradias brancas, caiadas, manchadas de vermelho pela terra que garantia a
fertilidade próspera dos cafezais a que os donos das terras chamavam de “ouro
verde”.
O
trabalho era pesado na lavoura e ao final do dia, laboriosos que eram os
italianos, plantavam suas hortas, garantindo o almeirão, a catalonha,
berinjela, tomate, salsão, manjericão, tudo o que faz seus pratos tão
saborosos, especiais, nutritivos!
Passado um tempinho de
adaptação, trabalho e muito trabalho, Francesca, burlando a vigilância paterna,
se enredou de amores por um dos filhos do senhor das terras, que sempre se
fazia convidar pelos novos colonos, á mesa farta, ás pastas, ao frango com
polenta, esta sempre cortada com barbante, ás saladas, antepastos, salames
defumados pendentes sobre o fogão de lenha! Há o pão e o vinho! “Mama Mia”
dizia o hospede comensal, revirando os olhos e jogando-os em busca da bela
Francesca.
A princípio tudo era festa para
os jovens enamorados até que chegou ao conhecimento e preconceitos das duas
famílias que se armaram de férrea oposição, cada uma zelando pelo “ bom nome”,
tradição e interesses!
Sofreram os jovens apaixonados,
brigaram, lutaram bravamente contra todas as dificuldades e venceram essa etapa
a despeito das diferenças e barreiras!
Casaram-se e aí começou a
segunda etapa, a convivência na intimidade, as diferenças gritavam alto e e as
semelhanças apagavam todas as dificuldades na intimidade da alcova, ou nos
passeios românticos a dois, pois se amavam e muito! Os apaixonados e o amor
falam todas as línguas e aparam arestas!
A bem da verdade devo dizer que
aberta ou velada, as diferenças sempre marcaram os relacionamentos de ambas as
famílias. Ele o brasileiro, não era de
“arregaçar as mangas”, nada afeito ao “lavoro”, não estudara não se fizera
doutor e nem tinha ofício! A italianinha era exuberante, cantante, ria
alto destoando da etiqueta e do “ bom
tom” que entendiam necessário.
Enfim o casal partiu para a
cidade grande construindo o seu lar, não sem dificuldades pois o marido,
realmente não era afeito ao trabalho, não fora acostumado e a fortuna da
família , ruíra com a queima do café estocado no porto de Santos para
exportação.
Aí o apoio e espírito de luta de
Francesca foram fundamentais!
Vieram os filhos que aproximaram
os avós de ambos os lados e os tios e tias, foram se casando com emigrantes de
todas as pátrias e as famílias foram derrubando preconceitos e aparando
diferenças.
Hoje num país miscigenado,
cosmopolita, vivem os descendentes da bela Francesca e do atraente João
Batista, prole grande entre filhos, netos e bisnetos que por sua vez quebraram
outras barreiras, derrubaram outras fronteiras.
Todos os descendentes desse belo
casal conhecem a história e se orgulham da ascendência e, todos os dias de
festa se reúnem á mesa para confraternizar e saborear os quitutes e receitas
trazidos da Itália, como são também lembradas e transmitidas as histórias da
terra distante e do romance do avô e da avó, essa “nona” Francesca brejeira até
o fim da nossa estória
Convivi com todos eles desde sempre pois eram pais.
e avós de tios e primos meus, minha gente, meus parentes e amigos, grande e
querida parte da minha família e essa a
razão de contar a estória da linda e brejeira italianinha Francesca, pois o
importante é observar o enfoque dos que da terra receberam os que chegavam para
a nova vida como também a mesma história vista e narradas pelos que aqui chegaram,
pois as adaptações são sempre difíceis e todas as histórias tem dois lados,
dois enfoques, mas o importante é que hoje somos todos uma grande e linda
família!
Mariza C.C. Cezar